quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Antonio Botto - perfil literário

António Tomás Botto nasceu em Concavada (Abrantes), em 1897. Amigo de Fernando Pessoa, colaborou em várias revistas de vanguarda, como a Athena, A Águia, a Contemporânea, a Presença, etc. Embora inveteradamente boémio, chegou a alto funcionário em Angola (África), na qualidade de Chefe da Repartição Política e Civil do Zaire. Vindo para o Brasil, entrou a viver uma vida desregrada e anárquica. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1959.
Escreveu poesia e contos. No primeiro caso, temos: Trovas (1917), Cantigas da Saudade (1918), Motivos de Beleza (1923), Curiosidades Estéticas (1924), Pequenas Esculturas (1925), Olimpíadas (1927), Dandismo (1928), Ciúme (1934), Baionetas da Morte (1936), A vida que te dei (1938), Sonetos (1938), - reunidos no volume As Canções de António Botto (1941, primeiro volume das Obras Completas), ódio e Amor (1947), etc. Contos: Os Contos de António Botto, para crianças e adultos (1942), etc.

A poesia de António Botto pende sempre entre dois pólos líricos: de um lado, coloca-se um erotismo exacerbado até o máximo possível, graças às febres duma incrível imaginação e duma privilegiada sensibilidade, e por isso mesmo invertendo o sinal do apelo físico: em lugar de dirigir-se a uma mulher, dirige-se a um adolescente. O tom é apolíneo, clássico, paganizante, em que se cultua a beleza masculina por seu equilíbrio de formas e a harmonia das linhas fundamentais. Do outro lado, uma poesia aparentemente antagónica, dado o seu carácter socialmente "realista": o poeta põe-se a retratar o baixo-mundo lisboeta onde impera o "fado", canção de escorraçados. Nessa poesia voltada para o quotidiano de Lisboa perpassa um eco longínquo de Cesário Verde. No movimento pendular - de carácter feminino-masculino -, o "outro" do poeta é já mulher, donzela ou fadista, como a compensar a tendência oposta: "Anda um ai na minha vida / Que me lembra a cada passo / A distância que separa / O que eu digo do que eu faço".

Os contos parecem testemunhar uma espécie de paisagem moral sobre a qual balançam e se compensam mutuamente as duas tendências marcantes do temperamento de António Botto.
Ambiguamente escritos para crianças e adultos, pois servem a todos com seu intuito pedagógico, os contos tem qualidades e defeitos resultantes desse mesmo carácter moralizante: assumindo atitudes à La Fontaine e à Esopo, o contista cometeu erros de base que por pouco não anulam completamente o sentido da obra toda. Noutros termos: procurando manter-se equidistante entre falar às crianças e aos adultos, algumas vezes o narrador se derrama piegasmente, ou se torna artificial quando pretende inserir notas de ingenuidade na moral com que coroa as narrativas. Com isso, parece comunicar-se apenas com o público infantil, pois para os adultos não satisfaz o conteúdo ético das conclusões. E mesmo para crianças, havia que ponderar a ocasional ausência de moral ou a sua impropriedade. Sempre, contudo, temos um prosador de primeira água, dotado de transparência, fulgor, simplicidade e variedade. A tais dotes soma-se o pendor inato para a poesia: é justamente a prosa poética, que adquire por vezes um tom de apólogo, ou de linguagem oracular, o superior mérito dos Contos, que se aparentam a Os Meus Amores, de Trindade Coelho, sobretudo pela esvoaçante fantasia que lhes serve de lastro, expressão de crença no mundo dos sonhos ou duma ânsia de fuga para atmosferas de beleza exclusivamente imaginativa.

Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa
Editora Cultrix, São Paulo

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